Com as medidas de aumento das receitas adotadas pela equipe econômica desde de 2023, o governo Lula (PT) tem tido o melhor desempenho arrecadatório em quase 30 anos. Nos cinco primeiros meses de 2023, a arrecadação federal bateu recorde histórico para o período (veja detalhes a seguir). Esse desempenho positivo se deve a uma série de medidas propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e aprovadas pelo Congresso Nacional.
Apesar das modificações feitas pelos parlamentares, que, em alguns casos, reduziram o montante previsto para a arrecadação, as medidas têm rendido aos cofres públicos recursos vultosos. Em maio de 2024 — último mês fechado — a arrecadação federal somou R$ 202,9 bilhões, recorde para o mês desde o início da série histórica (iniciada em 1995), segundo balanço da Receita Federal.
No acumulado do ano de 2024 (isto é, de janeiro a maio), a arrecadação somou R$ 1,09 trilhão, em valores não corrigidos pela inflação, e R$ 1,1 trilhão, em valores corrigidos pela variação dos preços. Isso representa um crescimento real (acima da inflação) de 8,72% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a arrecadação somou R$ 1,01 trilhão.
No mesmo período do ano passado, a arrecadação federal subiu apenas 1,02% de 2022 para 2023. Em 2020, no contexto da pandemia de Covid-19, houve recuo de quase 12%. De 2020 para 2021, houve recuperação, com a arrecadação subindo 21% de janeiro a maio.
As razões do crescimento na arrecadação federal
De acordo com a Receita, o aumento este ano pode ser explicado por fatores macroeconômicos, como o retorno da tributação do PIS/Cofins sobre combustíveis, a tributação dos fundos exclusivos (os chamados offshores). A calamidade ocorrida no Rio Grande do Sul, por outro lado, representou queda de R$ 4,4 bilhões na arrecadação.
O Fisco indicou, porém, que parte da arrecadação no estado gaúcho perdida em maio pode ser recuperada “após o término do prazo de diferimento”.
Não há projeção mês a mês. A projeção feita ano passado é que se alcance R$ 2,7 trilhões em arrecadação no ano todo. Falta, então, mais da metade.
Meta de déficit zero
Em 2024, é almejada a meta de déficit fiscal zero, para reequilíbrio das contas públicas. No ano passado, o governo federal registrou um déficit primário de R$ 230,5 bilhões, o equivalente a 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB).
É registrado déficit (contas no vermelho) quando as despesas ficam acima das receitas com impostos, desconsiderando os juros da dívida pública. Quando ocorre o contrário, há superávit (contas no azul).
Em maio, foi registrado déficit primário de R$ 61 bilhões, frente a um déficit de R$ 45 bilhões em maio de 2023 em termos nominais. Com base na série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997, esse é o segundo pior resultado para o mês de maio — ficando atrás apenas de 2020 (rombo de R$ 165,14 bilhões — valor corrigido pela inflação), ano do auge da pandemia da Covid.
Já em abril deste ano, as contas do governo central registraram um superávit primário de R$ 11,082 bilhões, ante um superávit de R$ 15,640 bilhões, em abril de 2023, em valores nominais. Os dados, neste caso, foram apresentados por outro órgão da Fazenda, o Tesouro Nacional.
O item que teve maior impacto para o resultado negativo foi o dos benefícios previdenciários. O Tesouro explicou que houve mudança no calendário de pagamento e antecipação, o que gerou o crescimento na casa de dois dígitos (R$ 24,4 bilhões). Os pagamentos do 13º salário dos aposentados do INSS foram antecipados para abril (contemplando abril, maio e junho), sendo que o segundo mês (no caso, maio) sempre concentra a maior quantidade de pagamentos.
Em coletiva de imprensa, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, disse que está em um curso um processo de recuperação fiscal. Ele citou taxas de desemprego próximas das mínimas históricas, crescimento das rendas das famílias e inflação controlada, entre outros indicadores. “Estamos em um ciclo extremamente saudável. Estamos em um processo de recuperação fiscal”, completou.
Mesmo com o resultado negativo do quinto mês do ano, o governo segue perseguindo o déficit zero. “A meta está mantida, não há nenhuma discussão e nem faz sentido uma discussão de alteração de meta. Ela é viável. Nós acreditamos fortemente que ela é viável”, disse Ceron.
Segundo ele, o cumprimento dessa meta exige a adoção de medidas: “Nós nunca nos furtamos à adoção de medidas, debates duros, mas necessários. Nunca houve por parte do governo omissão em adoção de medidas, as medidas estão sendo adotadas. E se outras medidas forem necessárias elas serão tomadas também, para garantir esse percurso que está posto”.
Segundo ele, se houver frustração de receitas, poderão ser adotadas novas medidas ou mesmo um contingenciamento que permita o resultado fiscal dentro da banda, ou seja, o intervalo de tolerância do Marco Fiscal. A banda é de 0,25 ponto percentual do PIB para cima e para baixo da meta. Isso significa que, se houver um déficit (ou rombo) de até R$ 28,8 bilhões em 2024, ainda assim o objetivo será atingido.
Novas receitas no radar
Além das medidas já absorvidas e que já estão rendendo frutos, os ministérios da Fazenda e do Planejamento trabalham ainda com outras duas fontes de receitas que podem dar alívio e reforçar os cofres públicos e reduzir o déficit. São elas:
1. as outorgas para as empresas de quota fixa (as chamadas bets) funcionarem no país;
2. a taxação de 20% sobre as compras internacionais até US$ 50.
No primeiro caso, o Metrópoles questionou a Fazenda sobre a previsão oficial com as autorizações para empresas que queiram explorar as bets, mas a pasta informou ainda não ter esse cálculo.
Neste ano, serão pagas as outorgas para os pedidos aprovados. À reportagem, a Fazenda informou que, como o primeiro período de apresentação se encerra em 90 dias (contados a partir do fim de maio, ou seja, no fim de agosto), “não é possível agora fazer qualquer previsão”.
Quando a norma foi aprovada, a estimativa era de que seriam arrecadados ao menos R$ 5 bilhões com essas autorizações. Como o mercado regulado só vai começar a funcionar em 1º de janeiro de 2025, apenas no próximo ano será possível arrecadar com impostos e destinações sociais.
Já no caso das compras internacionais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou, nessa quinta-feira (27/6), o Projeto de Lei (PL) nº 914/2024, que cria o programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover) e contempla um “jabuti” – a taxa aplicada às compras internacionais de até US$ 50. Segundo o ministro da Fazenda, a taxação passará a valer a partir de 1º de agosto.
Os produtos internacionais de até US$ 50 receberão taxação de 20%. Atualmente, itens de menor valor são isentos de impostos; para produtos com preço superior a R$ 50, é feita uma cobrança de 60% sobre o valor da compra.
E o corte de gastos?
O mercado financeiro e parte importante da classe política demandam que o governo agora comece a trabalhar sobre a ótica das despesas, via corte de gastos públicos. Em sinalização a esses agentes, Haddad e Tebet deram declaração à imprensa afirmando que essa agenda ganhou tração.
A declaração foi feita para acalmar os ânimos em um momento em que o dólar alcançou a máxima de R$ 5,43 e a Bolsa de Valores apresenta seguidas quedas. Depois das falas, o dólar recuou para R$ 5,36.
“Nós estamos colocando bastante força nisso, fazendo uma revisão ampla, geral e irrestrita do que pode ser feito para acomodar as várias pretensões legítimas do Congresso e do Executivo, mas sobretudo para garantir que nós tenhamos tranquilidade no ano que vem”, disse o minstro da Fazenda a jornalistas.
Questionado se a agenda de revisão de gastos vai ganhar protagonismo, Haddad respondeu: “Ela [a agenda] está ganhando, ao longo do tempo, tração cada vez maior”.
Apesar dos sinais vindos da ala econômica, o presidente Lula segue dando declarações que desagradam o mercado. Na quinta-feira (27/6), por exemplo, o petista disse que ajuste fiscal em cima da população mais pobre “não vale”.
Na quarta-feira (26/6) em entrevista ao portal Uol, Lula afirmou ainda não saber se “precisa efetivamente cortar” gastos para equilibrar as contas públicas. O petista também negou mexer no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e nas pensões e aposentadorias, hoje vinculadas ao salário mínimo.
Entre as opções que restam, está a revisão dos cadastros de beneficiários de programas sociais. O próprio Lula defendeu um pente-fino. “Só vai receber o benefício quem tiver direito. Nós estamos fazendo um estudo profundo, em todos os ministérios, todo investimento, estamos fazendo uma operação pente-fino pra saber se tem coisas que você pode parar de fazer. Você não pode gastar dinheiro errado”, afirmou.