quinta-feira, 17 de outubro de 2024
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Em discurso, Trump distorce fatos para pôr em dúvida julgamento após condenação histórica por júri em Nova York

Republicano é o primeiro ex-presidente americano a ser condenado criminalmente na História dos Estados Unidos

Um dia após tornar-se o primeiro ex-presidente americano a ser condenado criminalmente na História dos Estados Unidos, Donald Trump voltou à carga contra o julgamento, que descreveu como “fraudado”, durante um pronunciamento enganoso de 33 minutos na Trump Tower, em Nova York. Sem provas, o republicano de 77 anos alegou nesta sexta-feira que sua condenação criminal trata-se de uma instrumentalização política da Justiça e uma “caça às bruxas”, num momento em que ele tenta voltar à Casa Branca nas eleições presidenciais de novembro.

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— Se eles podem fazer isso comigo, podem fazer isso com todo mundo — disse Trump aos repórteres convocados para uma entrevista coletiva, mas que se resumiu ao discurso, antes de classificar os promotores de pessoas “ruins” e “doentes” e reiterar sua acusação de que o juiz que preside o caso, Juan Merchan, era “altamente conflituoso”.

Mas o veredicto de quinta-feira não foi uma decisão do juiz, mas sim de um júri popular formado por 12 nova-iorquinos e que tomaram sua decisão com base em 34 documentos essenciais ao processo: 11 notas fiscais, 12 comprovantes de pagamento e 11 cheques. Os jurados consideraram Trump culpado em todas as 34 acusações das quais era alvo em um caso sobre falsificação de registros fiscais para encobrir um escândalo sexual que ameaçava prejudicar sua campanha presidencial em 2016. A sentença está prevista para ser emitida por Merchan em 11 de julho.

A quantia, de US$ 130 mil, foi paga por Michael Cohen, ex-advogado e homem de confiança de Trump, e reembolsada pelo republicano ao longo de 2017, quando ele já era presidente, em forma de “despesas legais” falsas. Mas a palavra de Cohen estava longe de ser confiável: ele mentiu sob juramento e só depois confessou o crime, o que lhe rendeu uma pena de três anos de prisão domiciliar em 2018.

— No que diz respeito ao julgamento em si, foi muito injusto, não nos foi permitido usar nosso especialista em eleições em nenhuma circunstância — disse Trump nesta sexta-feira. — Vocês viram o que aconteceu com algumas das testemunhas que estavam do nosso lado, elas foram literalmente crucificadas por esse homem — acrescentou, referindo-se a Merchan, que, segundo ele, “parece um anjo, mas na verdade é um demônio”.

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Em seu discurso, o magnata reclamou ainda da ordem de silêncio no caso, que ele falsamente atribuiu ao presidente Joe Biden, embora tenha sido imposta por Merchan para proibi-lo de atacar testemunhas ou expor a identidade dos jurados. Segundo Trump, o tribunal “está em total conjunção com a Casa Branca e o Departamento de Justiça”, uma alegação para a qual não há provas.

— Agora, estou sob uma ordem de silêncio, que ninguém jamais esteve, nenhum candidato presidencial jamais esteve. Estou sob uma ordem de silêncio desagradável, em que tive de pagar milhares de dólares em multas e fui ameaçado de prisão — afirmou.

Distorções em série
Não é a primeira vez que Trump ou algum de seus aliados põem em dúvida o Judiciário americano e a condução dos processos criminais movidos contra ele — quatro no total. Na quinta-feira, logo após um júri popular considerar Trump culpado em todas as 34 acusações das quais era alvo, o âncora da Fox News John Robert sugeriu em um publicação online que o juiz que supervisionava o caso havia dito que os jurados poderiam escolher individualmente em um menu de diferentes crimes para declarar o ex-presidente culpado, desde que o total de votos somasse 12.

Foi uma afirmação chocante para qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento da jurisprudência americana. No entanto, encontrou um público imediato e maciço, com cerca de 5,7 milhões de visualizações no X, anteriormente conhecido como Twitter. Apoiadores e aliados de Trump rapidamente ampliaram seus argumentos, assim como o próprio Trump.

Segundo dia de julgamento de Donald Trump

Ex-presidente Donald Trump sai da Trump Tower a caminho do Tribunal Criminal de Manhattan em 16 de abril de 2024 na cidade de Nova York — Foto: David Dee Delgado / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

“O juiz Merchan acabou de dizer ao júri que eles não precisam de unanimidade para condenar”, escreveu Roberts. “4 poderiam concordar em um crime, 4 em um crime diferente e os outros 4 em outro. Ele disse que consideraria 4-4-4 como um veredicto unânime.”

Na verdade, todos os 12 jurados tiveram que concordar em considerar Trump culpado para condená-lo pelos crimes dos quais ele foi acusado: 34 acusações de falsificação de registros fiscais. O juiz do caso, Juan Merchan, deixou isso claro várias vezes, dizendo em suas instruções ao júri: “Cada acusação que vocês considerarem, seja ela culpada ou inocente, deve ser unânime”.

Roberts procurou esclarecer sua posição em uma entrevista na quinta-feira. Até então, a ideia de que um veredicto não unânime era possível havia sido disseminada pelo ex-presidente e candidato republicano presumido, bem como por seus apoiadores.

A maneira como Trump e seus aliados se aproveitaram da publicação de Roberts reflete um ecossistema de mídia de direita que foi ajustado para criar e fazer circular desinformação que possa prejudicar os democratas e impulsionar os políticos favoritos, um ciclo que já estava ativo durante o julgamento de Trump. Esse processo incluiu ataques contínuos a instituições há muito consideradas imparciais e resistentes à política, incluindo o FBI, o Departamento de Justiça e os tribunais.

Na quinta-feira, as críticas às instruções do júri de Merchan não tardaram a vir de Stephen Miller, um ex-conselheiro da Casa Branca; da ex-juíza e apresentadora da Fox News Jeanine Pirro; e do filho de Trump, Eric, que sugeriu que seu pai nem sabia do que estava sendo acusado até a manhã de quarta-feira. (Trump sabe das 34 acusações que enfrenta desde o ano passado).

Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump e apresentador de um canal conservador, referiu-se às supostas instruções como “4-4-4” e levou especialistas ao seu programa de televisão para chamá-las de inconstitucionais. E figuras políticas republicanas, como o senador Marco Rubio, da Flórida, considerado uma possível escolha para ser o companheiro de chapa de Trump, também se manifestaram, sugerindo que a instrução do juiz indicava que o caso era “exatamente o tipo de julgamento falso usado contra oponentes políticos do regime na antiga União Soviética”.

Seção 17-152
O próprio Trump publicou na tarde de quarta-feira no Truth Social, sua plataforma de mídia social, que “É RIDÍCULO, INCONSTITUCIONAL E INAMERICANO” que Merchan “não esteja exigindo uma decisão unânime sobre as acusações falsas contra mim”.

“Uma farsa de INTERFERÊNCIA ELEITORAL DO TERCEIRO MUNDO!”, concluiu.

Roberts fez a postagem enquanto Merchan instruía o júri na manhã de quarta-feira sobre como a lei deveria ser aplicada no caso. Trump foi acusado de falsificar registros fiscais para ocultar um pagamento de US$ 130 mil em suborno à atriz pornô Stormy Daniels pouco antes da eleição de 2016. Nessas instruções, Merchan explicou que, de acordo com a lei do estado de Nova York, a falsificação de registros fiscais é um crime apenas quando é feita para ocultar um segundo crime.

Os promotores dizem que Trump falsificou registros para ocultar uma violação de uma lei eleitoral estadual pouco conhecida — Seção 17-152 — que proíbe conspirações “para promover ou impedir” a eleição de uma pessoa “por meios ilegais”. Merchan também deixou claro que os “meios ilícitos” mencionados na lei eleitoral poderiam incluir violações de qualquer uma de três outras medidas: uma lei federal que rege as contribuições eleitorais, uma lei estadual que rege registros comerciais falsos ou leis tributárias, incluindo aquelas em nível estadual ou federal.

Ainda segundo Merchan, embora o júri tivesse que “concluir unanimemente” que Trump havia violado a Seção 17-152 para considerá-lo culpado, eles não precisavam ser unânimes em relação aos “meios ilegais” usados. Em outras palavras, os jurados não precisavam concordar sobre qual das três outras leis havia sido violada quando ele conspirou para ganhar a eleição. A instrução do juiz é consistente com a jurisprudência sobre o assunto.

Em uma entrevista na quinta-feira, Roberts — que apresenta um programa vespertino em Washington e não estava no tribunal quando as instruções do júri foram lidas — disse que “nunca teve a intenção de sugerir naquele tuíte que menos de 12 jurados podem condenar Donald Trump por um crime”.

— Eu estava falando sobre o crime subjacente — afirmou. — Esclareci, em maior grau, os fatos da acusação do júri em resposta a alguém que havia comentado meu tuíte.

De fato, após sua postagem inicial, Roberts publicou uma explicação mais sutil sobre os “meios subjacentes” que os jurados poderiam considerar, referindo-se a isso como “uma variedade de opções que eles podem escolher”. Na quinta-feira, no entanto, ele também citou um analista jurídico conservador que, segundo ele, chamou isso de “o aspecto ‘mais preocupante’ das instruções”.

Houve algumas reações preocupantes à postagem inicial de Roberts, de acordo com a NBC News, que informou que ela levou os usuários do Gab, um site popular entre os extremistas de direita, a fazer ameaças veladas contra Merchan. Uma dessas postagens dizia: “Ouvi dizer que coisas ruins acontecem com juízes na entrada de suas casas”. Outras ameaças online também foram registradas.

Trump atacou repetidamente o caso, chamando-o de “caça às bruxas” com motivação política, orquestrada pelo promotor público de Manhattan que o apresentou, Alvin Bragg. Merchan, que também tem sido um alvo constante do republicano, teve segurança 24 horas por dia designada para protegê-lo enquanto o júri deliberava. (Com The New York Times)

 

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